BIOGRAFIA (e x t e n s a)

 

NORBERTO ÁVILA

 

Dramaturgo, romancista, contista e poeta português, nascido em Angra do Heroísmo, ilha Terceira,  Açores, a 9 de setembro de 1936.

De 1963 a 1965 frequentou, em Paris, a Universidade do Teatro das Nações (Université du Théâtre des Nations), organismo da UNESCO, onde eram ensinantes personalidades como os encenadores Jean Vilar, Jean-Louis Barrault e Peter Brook, mas também Bernard Dort (colaborador de Roland Barthes na redação da revista Théâtre Populaire), Denis Bablet e Jan Kott, por exemplo. Principais estudos ali efetuados: Cultura Geral de Teatro; Aperfeiçoamento Técnico; O Teatro Negro no Mundo; O Teatro Oriental; O Teatro de Shakespeare e Realização Artística, sendo neste último assistente do encenador Patrick Le Nestour para a montagem da peça japonesa A História de Hiko-Hichi, de Junji Kinoshita.

Nestes 3 anos, ao longo de muitos meses, assistiu Norberto Ávila à quase totalidade dos espetáculos provenientes das mais diversas partes do Mundo e apresentados no Festival do Teatro das Nações, sobre os quais escreveu crónicas para o Diário de Notícias (Lisboa) e para a Emissora Nacional. Na Universidade do Teatro das Nações foi colega do jovem encenador argentino Victor García (cujo talento invulgar começava a ser reconhecido), e por isso insistentemente incentivado pelo dramaturgo a uma experiência artística em Portugal; daí resultando a preciosa colaboração do argentino prestada ao CITAC e ao Teatro Experimental de Cascais, durante vários anos.

Norberto Ávila criou e dirigiu a revista Teatro em Movimento (Lisboa, 1973-1975), que, entre variada colaboração, – artigos, críticas, entrevistas, notícias, crónicas do estrangeiro –,   publicou textos dramáticos integrais de Jacques Audiberti, Henry de Montherlant, Pirandello, Miguel Barbosa, Tankred Dorst e Strindberg.

Chefiou, durante 4 anos, a Divisão de Teatro da Secretaria de Estado da Cultura. Logo no início das suas funções tratou de documentar-se o mais possível, in loco, sobre as condições da atividade teatral portuguesa. Pelo que, havendo sido bem recebida uma sua proposta para uma maior descentralização teatral, visando preferencialmente a criação de um Centro Cultural em Évora, logo obteve a disponibilidade de Mário Barradas para acompanhá-lo na consecução desse objetivo. Pelo que, transpostas diversas dificuldades, em breve o projeto do CCE se tornou realidade, no edifício magnífico mas  então muito degradado do Teatro Garcia de Resende, sendo Mário Barradas, muito justamente o seu primeiro diretor.

Ainda no âmbito das suas funções na Divisão de Teatro, interessou-se o dramaturgo particularmente pela consolidação de novas companhias e grupos entretanto surgidos em Lisboa e na Província, defendendo também um mais efetivo apoio ao teatro amador. E, após porfiadas diligências, conseguiu que não se dispersassem (por cobiçosos colecionadores) as tradicionais marionetas alentejanas do praticamente inativo grupo dos Bonecos de Santo Aleixo. Que assim, com o patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura e mediante o ensinamento de Mestre António Talhinhas, viriam a renascer, desta vez confiadas às mãos e às vozes profissionais do elenco do Centro Cultural de Évora, hoje conhecido por Cendrev.

Entretanto, em 1978, quando uma das suas obras mais representadas – As Histórias de Hakim – ia sendo cada vez mais frequente nos repertórios dos teatros de língua alemã, decide-se o dramaturgo a abandonar o cargo de Chefe de Divisão de Teatro, a fim de dedicar-se mais intensamente ao seu trabalho de escritor, com particular destaque para a dramaturgia: 3 dezenas de peças.

Traduziu obras de Shakespeare, Tennessee Williams, Arthur Miller, Jacques Audiberti, Schiller, Junji Kinoshita, Valle-Inclán (4 peças), Fassbinder, Blanco-Amor, José Zorrilla e Liliane Wouters. Traduziu ainda o ensaio de  Jan Kott, internacionalmente consagrado, Shakespeare Nosso Contemporâneo (Portugália Editora, Lisboa, 1968). Adaptou à cena o romance O Bobo, de Alexandre Herculano, e, para as Marionetas de Lisboa, D. Quixote e Sancho Pança, de António José da Silva. Para o Teatro Nacional Dona Maria II: Romance de Lobos, de Valle-Inclán.

Dirigiu para a RTP (1º Canal), a partir de novembro de 1981, uma série de programas quinzenais dedicados à atividade teatral portuguesa, com o título de Fila 1. A sua experiência no domínio televisivo é, no entanto, bastante anterior, com a transmissão de peças como O Servidor da Humanidade (1962),  A Descida aos Infernos (1966, com Rui de Carvalho e Paulo Renato); Otelo, de Shakespeare, tradução e adaptação de Norberto Ávila, com Rogério Paulo no protagonista (1969). Bastante mais tarde (em 1991), de novo uma obra sua – O Marido Ausente – e D. Quixote e Sancho Pança,  que adaptou para as Marionetas de Lisboa. Várias televisões estrangeiras transmitiram entretanto As Histórias de Hakim: Televisão Jugoslava, Belgrado (1980), e Televisão Espanhola, Barcelona, (1981). Na Rádio, refira-se por exemplo A Ilha do Rei Sono: Sudddeutsche Rundfunk, Alemanha (1986).

No verão de 1969, durante cerca de um mês, aceitou desempenhar funções de assistente do realizador Fritz Puhl, da Televisão Alemã (ZDF), para pesquisa de assuntos e estabelecimento de contactos, durante a filmagem do documentário Hoch uber den Azoren, em todas as ilhas do arquipélago açoriano. Experimento marcante, inesquecível.

O invulgar gosto pela leitura, revelado na infância, permitiu-lhe, logo nos primeiros anos da adolescência, a descoberta dos clássicos portugueses (Gil Vicente, Camões, Fernão Mendes Pinto, Padre António Vieira, António José da Silva, Garrett, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós…), mas também de outras nacionalidades (Homero, Dante, Shakespeare, Cervantes,  Molière, Dickens, Flaubert, Machado de Assis, Tolstoi, Dostoievski, Tchecov…); já no início da juventude, Pirandello, Fernando Pessoa, García Lorca, Pablo Neruda… E assim, o fascínio pela escrita literária levou-o, por volta dos 15-16 anos, à experiência quase simultânea da poesia, do conto e do teatro: uma série de obras tocadas pela natural incipiência, fatalmente marcadas para uma futura, sensata destruição. De modo que só a partir de 1959, já com os seus 23 anos muito responsáveis, foi permitindo a sobrevivência da produção literária, com duas peças teatrais: A Descida aos Infernos e O Homem que Caminhava Sobre as Ondas, uma e outra escritas em 59 e publicadas no ano seguinte. A primeira só viria a ser estreada em 1966, pela Radiotelevisão Portuguesa; e se a segunda permitiu a estreia absoluta do autor como dramaturgo representado (Sociedade Dramática Eborense, Évora, 1960), a consequente estreia por um teatro profissional dar-se-ia com a próxima peça: O Servidor da Humanidade (1962), nesse mesmo ano representada pelo Teatro Popular de Lisboa (Estufa Fria). Quanto ao início da carreira internacional: em 1965, com a peça A Ilha do Rei Sono, pela Companhia de Françoise Lepeuve (Théâtre des Amandiers, I Festival de Nanterre).

As obras dramáticas de Norberto Ávila, em grande maioria publicadas, têm sido representadas em teatros profissionais portugueses como o Teatro Monumental e Teatro da Trindade (Lisboa), Marionetas de Lisboa, Teatro Perna de Pau, Teatro Lanterna Mágica, Teatro da Malaposta, Teatro Experimental de Cascais, Teatro Animação de Setúbal, Teatro Experimental do Porto, Teatro de Portalegre, Teatro “A Oficina” (Guimarães), Filandorra – Teatro do Nordeste (Vila Real) e Centro Dramático de Évora, por exemplo, com encenações de Carlos Avilez, Roberto Merino, Carlos Cabral, José Mascarenhas, Moncho Rodriguez, António Manuel Couto Viana, Alexandre Vieira, José Russo, Jorge Pinto, Figueira Cid, Victor Pires, Carlos César, Célia David e António Gualdyno. E bem se poderá dizer: uma dramaturgia igualmente bem acolhida pelos grupos de teatro amador.

Particularmente bem recebidas no estrangeiro (por vezes com 6 ou 7 encenações num só ano), em teatros nacionais, municipais e independentes, as peças de Norberto Ávila têm sido representadas nos mais diversos países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Coreia do Sul, Croácia, Eslovénia, Espanha, França, Holanda, Itália, República Checa, Roménia, Sérvia e Suíça; em cidades como Barcelona, Paris, Berna, Genebra, Zurique, Groningen, Bruxelas, Liège, Berlim, Essen, Wuppertal, Hanôver, Gottingen, Wiesbaden, Frankfurt, Mannheim, Estugarda, Munique, Magdeburgo, Leipzig, Brno, Veneza, Belgrado, Maribor, Zagreb, Seul…

Em 2009, a Imprensa Nacional – Casa da Moeda publicou-lhe a coletânea Algum Teatro (20 peças em 4 volumes), cuja ordenação cronológica permite avaliar facilmente a evolução temática e estética do autor, umas vezes interessado em ficções dramáticas de fundo histórico, outras, na recriação dos grandes mitos (sejam eles da Antiguidade Grega ou da Literatura Ibérica), na elaboração de um teatro de inspiração popular ou de crítica social ou empenhamento político, ou mesmo de incitamento à evasão e à fantasia. Títulos mais divulgados, a nível nacional e internacional: As Histórias de Hakim, As Cadeiras Celestes, O Marido Ausente, A Ilha do Rei Sono, O Rosto Levantado, Arlequim nas Ruínas de Lisboa, Florânia ou A Perfeita Felicidade, Uma Nuvem sobre a Cama, D. João no Jardim das Delícias.

O longo prefácio de Algum Teatro, intitulado Apresenta-se o Autor com as Suas Peças, possibilita uma breve abordagem de cada um dos textos dramáticos selecionados, quer no aspeto temático, quer no aspeto formal, complementada sempre com algum excerto da própria obra em análise.

No dizer de LUIZ FRANCISCO REBELLO (sem dúvida o mais autorizado especialista do Teatro Português):

“Pela diversidade e riqueza dos temas dramatizados, pela variedade e adequação dos modelos estruturantes, pelo saber oficinal, pela capacidade inventiva do jogo cénico, pela sábia dosagem do real e do fantástico, do humor e da emoção, do erudito e do popular, e pela articulação perfeita de tudo isto, a obra de Norberto Ávila, já internacionalmente consagrada, ocupa um lugar ímpar no quadro da dramaturgia portuguesa contemporânea.”  

E embora outras peças do autor (como A Ilha do Rei Sono e O Marido Ausente) tenham tido oportunidade cénica em vários países, é incontestável que As Histórias de Hakim, cujo número de encenações em breve atingirá uma centena, continua a ocupar um lugar de privilégio na audiência nacional e internacional. Já em agosto de 1978, sendo promissora a carreira de Hakim, a prestigiada revista mensal alemã Theater Heute lhe dedicava, e ao seu autor, grande parte de um dos seus números: reedição integral do texto dramático, enriquecido com artigos sobre encenações da obra em países de língua alemã, entrevista com o escritor, com dados biográficos e imagens de montagens em diversos teatros.

A atividade literária de Norberto Ávila abrange porém outros géneros, como o romance – No Mais Profunda das Águas (sobre Antero de Quental e a Geração de 70); A Paixão Segundo João Mateus (Romance Quase de Cordel), que promove a nível literário a oralidade popular da ilha Terceira;e Frente à Cortina de Enganos (inédito), que trata da excessiva dependência de programas televisivos, – estando em preparação (em 2014) o seu primeiro livro de contos. É ainda autor do livro de poemas Percurso de Poeta (edição de autor, Lisboa, 2000).

Ao longo destas últimas décadas, Norberto Ávila tem viajado pelos mais diversos países europeus, inclusive os ex-países de Leste (e ainda por Marrocos, Canadá e Estados Unidos da América), não apenas como turista: em funções profissionais, para assistir a festivais de teatro e participar em congressos da mesma especialidade, ou ainda por ocasião do lançamento ou estreia de obras suas.

Tem dispensado a sua colaboração a várias entidades culturais (nomeadamente sendo membro de júris): Secretaria de Estado da Cultura, Direção Regional da Educação e Cultura (Açores), Fundação Calouste Gulbenkian, FNAT/INATEL, Sociedade Portuguesa de Autores, Associação Internacional dos Colóquios da Lusofonia e  Fundação Bernardo Santareno, por  exemplo. Colaboração especificamente literária: Enciclopédia Verbo (temas teatrais, 1971-1975), Radiotelevisão Portuguesa, Emissora Nacional/RDP, TSF, Radiotelevisão Francesa; revistas e jornais – Adágio, Atlântida, Contravento, Diário Ilustrado, Diário Insular, Diário de Notícias, JL, O Jornal, Os Meus Livros, Opção, Panorama, Prelo, Théâtre (Paris), A União, Vértice, etc.

Presente em três antologias poéticas: Antologia de Poesia Açoriana, de Pedro da Silveira, (Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1977); antologia On a Leaf of Blue, de Diniz Borges (University of California, Berkeley, 2003); Neruda, Cem Anos Depois – Reflexos na Poesia Portuguesa, de Cristino Cortes (Lisboa, Universitária Editora, 2004). Presente também, com cenas integrais de 4 peças de teatro, na Coletânea de Textos Dramáticos de Autores Açorianos, de Helena Chrystello e Lucília Roxo (Ed. Calendário de Letras, Vila Nova de Gaia, 2013).

Angra do Heroísmo, como cidade natal de Norberto Ávila, prestou-lhe homenagem pelos 30 anos de escrita literária (em 1990), com a 1ª edição de Magalona Princesa de Nápoles, a estreia de Viagem a Damasco, além duma vasta exposição, no Salão Nobre da Câmara Municipal, dedicada à carreira internacional do dramaturgo.

Entretanto, uma das suas obras – a comédia “assincrónica” O Marido Ausente, sobre o mito de Penélope, traduzida em Francês e Italiano – foi escolhida para representar a Dramaturgia Portuguesa em vários países, no âmbito das jornadas Teatro Europeu Hoje: em Paris (1991), Veneza (1991), Genebra (1992), Bruxelas (1992) e Lisboa (1993).

Em 1989 foi dedicado a Norberto Ávila o IV Ciclo de Teatro de Autores Portugueses, organizado pelo grupo de Teatro Passagem de Nível (Amadora), em cujo programa se integrava a representação de O Marido Ausente e As Histórias de Hakim, bem como de D. Quixote e Sancho Pança (adaptação do autor homenageado). Igualmente lhe foi dedicado (em Setúbal, 2012), o X Fórum da Associação Portuguesa de Teatro, sendo escolhida para os trabalhos de formação artística a comédia Uma Nuvem sobre a Cama. Tal como a 8ª Festa do Teatro Amador da Malaposta (Odivelas, 2013), de que Norberto Ávila foi “patrono” e cuja peça As Cadeiras Celestes foi representada em estreia absoluta pelo Grupo de Teatro Lusófono.  

Alguns prémios atribuídos ao escritor: 1962 – Prémio Manuscritos de Teatro (O Servidor da Humanidade); 1967 – Prémio de Teatro Declamado (As Histórias de Hakim); 1986 – Menção Honrosa dos Prémios Nacionais de Teatro (D. João nos Jardins das Delícias); 1987 – Prémio Associação Portuguesa de Escritores (Florânia ou A Perfeita Felicidade); 1999 – Prémio Natália Correia (Poesia, Percurso de Poeta).

Em 2008, a Sociedade Portuguesa de Autores distinguiu Norberto Ávila com a sua Medalha de Honra. Medalha de Honra também lhe atribuiu, no ano seguinte, a Casa dos Açores (de Lisboa). Em 2010, ano em que, por coincidência se completavam os 50 anos da sua estreia como dramaturgo representado, a Assembleia Legislativa e o Governo dos Açores decidiram conceder-lhe, nas celebrações do Dia da Região, a Insígnia Autonómica de Reconhecimento. E em 2011 foi-lhe atribuída, pelo Presidente da República, a Comenda da Ordem de Mérito.