NORBERTO ÁVILA

 

OS VOTOS DE NATAL DE FRANK BALDAIA

 

 (Conto / 2008)

Para Branca Vilallonga

 

contofbaldaia

 

A passos inseguros, atabalhoados, saiu da Verona Mantion e dirigiu-se para o automóvel, estacionado desde a véspera (ou antevéspera?, já nem sabia bem) debaixo da frondosa magnólia. E agora, depois de tudo o que se passara naquela vivenda luxuosa, sentia-se picaresco, ridículo, enfarpelado daquela maneira, ansioso por reassumir o aspeto de vulgaríssimo e pacífico cidadão…

O Sol começava a erguer-se por detrás da colina de esmerado recorte, que, para maior distúrbio emocional, lhe recordava um gigantesco seio feminino.

Estrada fora, em direção a Fresno, procurava serenar-se. (Que diabo!, um homem é um homem.)

O que mais desejava era alcançar um discreto desvio da trajetória principal, em que pudesse parar um instante, para mudar de roupa. Já que a partida fora precipitada. Deslocar-se ao automóvel a buscar a maleta, e voltar a entrar naquela sofisticada residência… isso poderia dar azo a novas complicações.

Mal chegou a casa e fez rodar a porta preguiçosa, deparou-se-lhe no chão o intruso e gentil recado de Larry, seu vizinho mais próximo, estranhando não o ter visto nos últimos dias e perguntando-lhe quando poderiam ter um joguinho de xadrez. Ora, nada de urgente ou preocupante. Depois, ligado o telemóvel, já quando saboreava o pequeno- almoço, constatou que lhe queriam falar a mulher e a filha (Matilde e Rosalind, respetivamente), ambas residentes nos Açores. Ah, e o filho Steven, biólogo de formação, a residir bastante mais próximo, em Tulare. A esse não conviria telefonar tão cedo. À Matilde ou à Rosalind, no entanto, dada a diferença horária… já poderia ser.

Francisco (tornado Frank em terras de Uncle Sam), agora confortado com os flocos de cereais, os ovos mexidos e o sumo de laranja, encheu-se de boa disposição e ligou para a longínqua terra natal, Cinco Ribeiras de seu nome, na ilha Terceira.

*

Redonda era a mesa de jantar, na mais habitual figuração de móvel preponderante, na sala ampla, de duas janelas abertas para o mar. De boa madeira, a mesa acolhedora, de quando em quando ungida com óleo de cedro; porém tornava-se oblonga de regozijo em ocasiões festivas no decurso do ano, permitindo admitir mais quatro parentes ou amigos. Isto porque a cinquentona Matilde, mau grado a equívoca situação conjugal, era, de sua natureza, bastante conversável.

Naquela meia-tarde, faltando ainda uma semana para a consoada natalícia, já ela tinha armado o presépio de caprichosa pedra vulcânica avermelhada, que enfeitara com musgos e pratinhos de trigo germinado, e ervilhaca; e talqualmente havia ornamentado o pinheiro (natural, pois então!) com os brilhantes globozinhos coloridos e as voltas e contravoltas de luzinhas de incansável acender-e-apagar. E por certo já havia manipulado o prolongamento da mesa, agora coberta com a linda toalha de linho regional, laboriosamente bordada em tons de azul-hortênsia.

Uma escassa dezena de cartões de boas-festas (muitos mais viriam, sem dúvida, naqueles próximos dias), quase todos procedentes dos Estados Unidos da América e do Canadá, perfilados, como de costume, ao lado do presépio. Uma honrosa exceção aos que lhe eram remetidos por Frank. A esses dispensava Matilde um tratamento especial, colocando-os – a coleção completa, 16 até ao momento – numa salva de prata, ao centro da mesa. E, justamente ao retirá-los do estojo de madrepérola em que os guardava, uma vez mais se lembrou de não haver recebido ainda o cartão daquele ano. Atraso dos correios? Inusitada negligência de Francisco?, para mais agora, havendo atingido a reforma aos 65 anos e dispondo do muito mais tempo para estas miudezas?

E foi manuseando aquelas tão apreciadas mensagens, tão vincadamente pessoais, do homem que, muito embora a quase inexplicável separação de 17 anos feitos, era ainda seu marido, à face da lei e da Santa Madre Igreja.

Na verdade, havia entre ambos uma certa diferença de idade. (Mas isso era o menos.) Pois, quando ela veio ao mundo, ali naquela mesma casa das Cinco Ribeiras, já o Frank era um moçote de 15 anos, que, embora seu conterrâneo, se radicara na Califórnia com os pais e duas irmãs. O qual, rondando já os 33 anos, e ainda solteiro, era guarda-florestal do tão afamado Sequoia National Park, quando se decidiu, (finalmente!) a visitar a terra natal. Isto depois de muita insistência do primo Januário (companheiro da meninice e um dos poucos parentes que lhe restavam nas Ilhas), a oferecer-lhe hospedagem pelo tempo que desejasse. Preparava-se a freguesia para as festas da sua padroeira: Nossa Senhora do Pilar.

E aconteceu que, dias depois, estando ele no arraial, ouvido muito atento ao concerto da filarmónica de Santa Bárbara, mesmo assim assentou o olhar numa rapariga morena, de meigo semblante, que logo o fascinou. Ora, sem menosprezo da perspicácia dos leitores, direi que se tratava de… Matilde!

Abreviando (que isto não há de ser conto de extensão queirosiana): chegaram à fala ao cabo de uma hora, se tanto. E, mais desembaraçadamente ainda nos dias seguintes, até ao regresso de Frank aos Estados Unidos, umas três semanas depois. Ficou então bem determinado que (havendo já a concordância dos pais da rapariga) ele voltaria à Terceira no próximo ano, para a celebração do casamento, na festividade maior de Nossa Senhora do Pilar. E, porque “o prometido é devido”, segundo o velho ditado, assim se cumpriu, sendo ele de 34 anos de idade, e ela de 19.

Convém esclarecer que Frank Baldaia, embora morando habitualmente no Sequoia Park, numa pequena habitação de madeira que desde o início lhe fora disponibilizada pela administração, mantinha a sua própria casa em Fresno, bastante mais ampla e bem apetrechada, em que gostava de gozar os dias de folga semanal. Ficaram então os dois instalados no parque luxuriante, ressalvando ocasionais deslocações a Fresno. E assim foi até pouco antes de lhes nascer o primeiro filho, Steven. Alteraram-se então os hábitos do casal. Ficou Matilde a residir em Fresno, com o bebé, raramente se deslocando a Sequoia. Em sentido inverso, ao encontro de ambos, acorria, na sua folga semanal, o diligente Frank.

Matilde, diga-se em abono da verdade, achava magnífico o ambiente em que trabalhava o marido. Mas, por vezes, sentia-se ali como que ameaçada por aquelas árvores altíssimas, habituada como fora a um largo horizonte descoberto: o mar das suas Ilhas. Já em Fresno, graças a Deus, na casa sobranceira a um declive acentuado, pelo menos não achava aquela espécie de claustrofobia.

Cinco anos depois de Steven nascia Rosalind, e mais e mais se radicou aquele modo de vida. Até que, vendo aproximar-se a idade escolar da menina, Matilde desejou proporcionar-lhe um ensino carateristicamente português, pelo que propôs ao marido uma separação amigável (nada de divórcios, por enquanto), por um tempo indeterminado, até que melhor se definisse a vantagem ou desvantagem daquela ligação matrimonial. Muito a contragosto, Frank acabou por concordar. E lá se concretizou o regresso de Matilde à sua querida ilha Terceira.

Já por essa altura começara o nosso Baldaia a interessar-se pelo registo fotográfico de inúmeros aspetos do “seu” parque florestal. De maneira que os cartões de Natal enviados à mulher, a partir desse ano, ostentavam sempre uma visão diversa das monumentais sequóias carregadas de neve, graças à objetiva da sua Rolleicord. No interior, logo abaixo dos costumeiros dizeres Marry Christmas… com dois sinos dourados, badalantes, escrevia ele uma verdadeira carta, muito afetuosa, que só terminava no fim da quarta página.

Estava Matilde precisamente nestas cogitações miudinhas quando se alertou com o telefonema de Frank.

“Ora até que enfim!” exclamou ela, num júbilo mais que sincero. “Estás mesmo vivo?!”

“Desde quando é que os mortos falam?”

“Os parentes mais próximos começavam a ficar preocupados!”

“Não me digas, Matilde! E então porquê?”

“Ao menos plo Natal há que saber uns dos outros!”

“Ele há de haver quinze dias que nos falámos.”

“Quinze dias?! Upa! Upa!”

“Vamos ao mais importante: Como estás, minha querida? E a Rosalind?”

“Cá vamos andando com saúde, graças a Deus. E tu?”

“Bem… O mais difícil tem sido habituar-me a esta situação de reformado.”

“Credo! Quem sabe se não deverias ter começado a frequentar… há um ano, por exemplo… um cursinho especial para o efeito?”

“Não me consta que haja semelhante coisa. Mas teria a sua utilidade, acredita.”

“Porque não vens até cá, Francisco? Um mês ou dois, digamos. Sem compromisso de qualquer espécie, entendes?”

“Prometo pensar no assunto. Muito seriamente.”

Estendeu-se entre ambos uma inesperada ponte de silêncio.

“Nem fazes ideia, Matilde… dos meus passatempos, nestes últimos dias…”

“Desde que sejam honestos!…”

“Honestos? O mais possível! Quero até, por sinal, enviar-te umas fotografias…”

“A propósito de fotografias: sabes que não recebi ainda o teu habitual cartão de boas-festas…?”

Frank hesitou na resposta. (Na verdade, lembrava-se muito bem de haver retirado da gaveta da secretária um dos novos cartões – com as insubstituíveis sequóias milenares, carregando nos braços as neves invernais; de haver escrito nele a mensagem do costume; de haver mesmo endereçado o envelope. Não se lembrava, porém, de o ter lançado em qualquer marco do correio… Deveria agora procurá-lo. E dar-lhe seguimento.) Mas a resposta foi muito outra: “ O cartão de boas-festas, minha querida, já seguiu (embora com algum atraso), já vai de viagem, creio eu, sobrevoando a América de lés a lés, ou se calhar as ondas do Atlântico.”

“Muito bem. Cá ficamos à espera. Recebeste o que a Rosalind e eu te enviámos?”

“Recebi, com muito gosto. E que não ficou por agradecer, como verás… Mas, voltando às outras fotografias que te quero mandar: a minha modesta pessoa, numa roupagem mais alegre, mais divertida…”

“Ai,” murmurou Matilde. “O Carnaval ainda vem longe…”

“Bem sei. Mas isto é outra história. Que tem a ver, precisamente, com os meus passatempos de reformado.”

“Sim,” acrescentou ela. E ficou na expetativa de pormenores.

“Imagina que me lembrei de comprar um fato de Pai Natal. Lindíssimo! Com todos os apetrechos que lhe são devidos: barbas, óculos, saco…”

“Meu Deus! Quem visse!”

“Vais ver. Nas fotografias. E logo me dirás o que te parece.”

“Mas… e que ideia foi essa, Frank?”

“Logo na primeira semana deste mês, quando por toda a cidade começavam a surgir sinais de festa, decidi comparecer, envergando este meu trajo rigoroso e magnífico, nos principais centros comerciais.”

“Hum.”

“Não fazes ideia da quantidade enorme de crianças que me rodeavam, revelando a sua alegria. E muitas delas – quase todas – queriam logo ser fotografadas na companhia deste Pai Natal. E com muito prazer, também da minha parte.”

“Ai que engraçado!”

“Os pais e os avós, que os acompanhavam, pretendiam, naturalmente, gratificar-me com algumas moedas. De início… recusei; depois… aceitei e aceitei! De modo que… agora já duas empresas me ‘contrataram’ para animar as festas de Natal dos filhos dos funcionários.”

“Caramba! Sendo assim…”

“A vestimenta do disfarce… está paga e repaga. Acreditas?”

“Estou banzada com o que me contas.”

Banzada, a boa, inocente Matilde. Soubesse ela a mínima parte do que realmente se passou na sequência dessas sessões de animação natalícia…

*

A noite tinha caído sobre Fresno, fazendo ressaltar o brilho e as cores com que o Natal se anunciava. E Frank Baldaia, que desde as 11 da manhã ali estava, num garrido espaço interior do Sierra Vista Mall, resolveu dar por terminada a sua função naquele dia. Ainda se deixou fotografar com dois irmãozinhos de 6 e 4 anos – Wilson e Davy (perguntava sempre o nome a todos eles) – quando a mãe dos miúdos se afastara o suficiente, a captar a imagem, para voltar logo depois, a agradecer-lhe a amabilidade (deixando-lhe na mão uma nota de 10 dólares). E preparando-se Frank para abandonar o local e dirigir-se ao parque de estacionamento em que deixara o automóvel, viu aproximar-se uma senhora alourada, algo exuberante, aparatosamente vestida, aí de uns 50 anos ou pouco mais. Desacompanhada, pelos vistos. A qual, estendendo-lhe a mão abundante de anéis, declarou chamar-se Violetta Fogazzaro, nascida em Itália (Verona, para mais pormenor). A transplantação dera-se quando ela andava pelos 12 anos bem medidos. E não fora mal sucedida, ao que parece. Morava relativamente perto, a pouco mais de 15 milhas.

Correspondendo à gentileza, o nosso protagonista debitou-lhe o nome de batismo e o apelido, mencionou a origem açoriana (de que muito se orgulhava) e referiu até a ex-profissão de guarda-florestal.

Então a veronesa confessou-lhe que estivera largo tempo a observá-lo, a razoável distância, encantada com o afeto que ele dispensava a todas aquelas crianças. Pronunciou até um piropo que o fez estremecer: “Tenho andado por muitos países, nesta época festiva, e nunca vi um Pai Natal tão bonito!”

O elogiado corou: é mais que certo. Valiam-lhe, no entanto, as postiças barbas brancas.

E ela avançou uma proposta muito concreta: “Eu tenho um neto e uma neta, que muito estimo, aliás: Jason e Ruthie, de 5 e 3 anos respetivamente. Ora, não querendo de modo algum, meu caro senhor, abusar da sua paciência e disponibilidade (tanto mais que uma eventual colaboração seria generosamente recompensada), ousaria perguntar-lhe se poderei contar com a sua presença em minha casa, ainda hoje, para uma pequena série de fotografias com os miúdos. Ah, eles iriam adorar, acredite!”

Frank ajeitou os finos óculos de aro redondo e disse: “Pode ser. – Trouxe automóvel?”

“Um dos sete.”

“Segui-la-ei… no meu único. Para mais fácil regresso, como é natural.”

*

A Verona Mansion, moderna mas exibindo próteses de arquitetura renascentista italiana, coroava um cabeço de variegados verdes, em que preponderavam pinheiros e ciprestes.

Mas abreviemos.

Sentados já na vasta sala de jantar, bebericando dos pequenos cálices o afamado licor Frangelico, começava o visitante a inquietar-se ligeiramente. E, divisando esse estado de alma, Violetta ergueu-se e disse: “O Jason e a Ruthie já devem ter acabado de jantar. Vou telefonar à Nancy, minha filha, que mora aqui perto…” E afastou-se para os fundos da casa, saracoteando a fulva cabelama.

Primeira estranheza de Frank: afinal as crianças não viviam com a avó. Segunda estranheza de Frank: Violetta deixara o telemóvel sobre a mesinha de vidro. Dali mesmo poderia ter telefonado à filha. (E sorveu mais um trago do licor italiano, com um gostinho delicioso a avelãs.)

Pouco depois, regressando Violetta à sala de estar, revelou o seu desapontamento: “Muito me custa dizer-lhe o que realmente se passa: A Nancy decidiu-se a dar um longo passeio com as crianças. Levou-as a Monterey, a visitar o Bay Aquarium, onde estiveram hoje. Amanhã, em Oakdale, visitarão o Cowboy Museum, de modo que só cá estarão no dia seguinte.” Amarfanhou o colar de pérolas no decote generoso. “Estou desolada, acredite, meu caro Frank.” E pousou-lhe a mão no ombro, animando-o.

“Ora, imprevistos, não é verdade?”

“Mas para que não tenha sido em vão a sua vinda até estas paragens, até Verona Mansion, importar-se-ia , mesmo assim, que tirássemos umas fotografias juntos?”

“Pois muito bem.”

“Sempre é uma recordação que me fica da sua passagem… Uma compensação…”

Ergueu-se Frank Baldaia do sofá cor de mel, enquanto ela ia buscar a máquina fotográfica, montada no respetivo tripé, que um biombo japonês ocultava. Cinco acabaram por ser os disparos do dispositivo automático, captando a imagem de ambos, numa diversidade de fundos mas com pouca variação de atitudes dos retratados: O braço de Violetta alongando-se pelos ombros de Frank, o braço de Frank distendendo-se pelos ombros de Violetta, e sempre o inevitável recurso aos sorrisos de circunstância.

Regressada a câmara fotográfica ao seu esconderijo habitual, já a exuberante anfitriã insistia com o açoriano: que por favor estivesse como em sua própria casa (casa que estava suficientemente aquecida). Porque não se punha ele mais à vontade? E daí resultou que Frank se desembaraçasse do gorro, dos óculos, das barbas postiças, do cinturão e até mesmo do encorpado casacão vermelho debruado de arminho (chamemos-lhe assim)…

Foi então que ela se lembrou de dar-lhe a conhecer outros licores italianos: o Amaretto e o Limoncello, por exemplo. Que ele achou excelentes. Mas continuava a preferir o Frangelico (cuja garrafa, em forma de frade, era um divertimento para os olhos.) Pois aquele gostinho delicioso das avelãs…

Conversa puxa conversa. (Estavam de novo sentados no sofá cor de mel, lado a lado.) E Frank foi dizendo que, quando trabalhava no Sequoia National Park, trazia sempre consigo uma mancheia de avelãs, para dar aos esquilos…

“Os esquilos,” argumentou Violetta, “são uns animaizinhos muito sociáveis, muito queridos, hem?” E, como quem não quer a coisa, pousava-lhe no joelho esquerdo a mão direita. E ele concordou. Que os esquilos eram realmente… maravilhosas criaturas.

Pediu-lhe então a veronesa que lhe falasse do referido Parque. Admirou-se o ex-guarda-florestal: “Como?! Pois não conhece o famosíssimo Sequoia National Park?!” (Ali tão próximo, caramba!) E ela, exteriorizando uma certa perplexidade, afirmou que nunca lá tinha estado. (O que não era verdade. E disso sabe o autor omnisciente.) Mas, respondendo assim, antegozava a hipótese de lá irem juntos, beneficiando ela do privilégio de ter à disposição um cicerone invulgarmente conhecedor do lugar.

O nosso Baldaia facultou-lhe então uma antevidência daquele excecional recanto da Califórnia, onde as árvores emblemáticas, com troncos de perímetro sobrenatural, atingem os 100 metros de altura e a milenária longevidade.

A noite avançava.

O quarto de dormir da Fogazzaro era no andar superior. Noite mal dormida para ambos (não sei se me explico) até antemanhã. Altura em que Frank, madrugador inveterado, se ergueu e foi à janela. Afastou de leve o reposteiro e olhou para o céu, em tons de magenta e alaranjado: prenúncios do Sol nascente. Então, vendo Violetta bem ferrada no sono, começou a vestir-se, preparando-se para abandonar o quarto e a Verona Mansion. Ainda teve o requinte de deixar um recado num bloco que se lhe deparou sobre a mesa de cabeceira: “Grazzzie di tuttttto. (Não sei se é assim que se escreve…) Gostei muito de conhecer os seus fictícios netos: Jason e Ruthie. Realmente adoráveis. – Frank.”

Não atinou bem com a saída. Mas decidiu-se a descer por uma escada estreita. A qual desembocava numa galeria de coloridos retratos fotográficos, todos de umas 15×20 polegadas. Ora esta! A sempre exuberante presença de Violetta, inevitavelmente bem chegada a um indivíduo qualquer uniformizado: um bombeiro, um piloto de aviação, um gondoleiro veneziano, um pescador esquimó, um campeão olímpico de natação, um pastor tirolês, um guerreiro africano, um sucedâneo de Elvis Presley…

Frank imagina-se naquele vasto cortejo, no extremo do corredor… Providencial, uma porta de vidro que deita para o jardim! E ele corre para o automóvel, servidor possivelmente aborrecido duma tão longa espera.

NORBERTO ÁVILA

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