NATUREZA-MORTA

 

 

A mesa de jantar parece agora enorme,
agora, mortos que foram alguns parentes queridos,
outros dispersos por esse vasto Mundo.
Que pena não ser mesa de encurtar,
que assim, aconchegada à solidão presente,
ficaria discreta, mesmo assim razoável,
bem ao centro da sala, ela própria, também,
excessiva de espaço
e de silêncio.

 

Isto pensa a mulher. E aperta uma vez mais
o xale no regaço.

 

Lá fora é primavera, com pássaros e flores.
E o Sol, timidamente, espreita pela janela,
através da cortina,
e põe manchas de luz na toalha de renda.

 

Numa taça de vidro, os primeiros morangos,
que a mulher, de manhã, foi colher ao quintal.
Pois agora ali estão, os primeiros morangos,
prometidos à filha, a visita aguardada.
Que há-de vir esta tarde. Ou talvez esta noite.
Ou talvez amanhã. Prometeu que viria.
E virá certamente.

 

(Há que dizer, no entanto: a primavera chama,
perturba a juventude e convida ao amor,
numa praia qualquer.)

 

É bem triste que Deus tenha feito os morangos
tão sensíveis, tão frágeis!
Na sua beleza, vão ganhando bolor,
e logo apodrecendo,
numa taça de vidro ou cristal de Veneza.

 

NORBERTO ÁVILA