NORBERTO ÁVILA

 

O MARIDO AUSENTE

 

Comédia assincrónica (1988)

 

Primeira das 5 peças  expressamente escritas para o Teatro de Portalegre (sendo as outras Uma Nuvem Sobre a Cama,1990; Os Doze Mandamentos, 1993; Salomé ou A Cabeça do Profeta, 2000; e Para Além do Caso Maddie, 2007). Estreada em 1989, com encenação de José Mascarenhas. Traduzida em Polaco, Francês e Italiano.

Outras apresentações: Radiotelevisão Portuguesa (realização de Herlânder Peyroteo, 1990; XI Festival de Baiona, França, 1991.

Escolhida para representar a dramaturgia portuguesa nas jornadas Teatro Europeu Hoje, em francês, italiano e português, no Odéon-Théâtre de l’Europe, Paris, 1991; no Palazzo Labia, Veneza, 1991; na Comédie de Genève, Suíça, 1992; no Théâtre du Residence Palace, Bruxelas, 1992; e no Institut Franco-Portugais, Lisboa, 1993.

Segunda peça do autor a ser incluída na coleção Colibri Teatro (das Edições Colibri), Lisboa, 1997, sendo a primeira Uma Nuvem Sobre a Cama, no mesmo ano. Segunda edição na coletânea Algum Teatro (20 peças em 4 volumes, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 2009, vol. III).

OPINIÕES CRÍTICAS

“A comédia de Norberto Ávila é não só um bom achado, como uma das suas melhores obras dramáticas, com um diálogo vivo, inteligente, carregado por uma ironia que o torna extremamente comunicativo, uma caraterização de personagens e situações bastante rica, ao mesmo tempo com imaginação e teatralmente verosímil (…)”

                                                   CARLOS PORTO – Diário de Lisboa

O Marido Ausente é uma peça de Norberto Ávila, a quem se reconhecem excelentes qualidades de escritor-dramaturgo (…) Um texto que revelava à partida enormes potencialidades (…) de uma riqueza admirável (…) consegue ser simultaneamente histórico-cultural e atemporal.”

                                                    FÁTIMA LOPES – Diário Popular

“A peça é um belo exercício literário (…) Oitenta minutos de humor requintado, oitenta minutos de cultura vista do direito e do avesso (…)”

                                            MANUEL JOÃO GOMES –  O Europeu

SINOPSE

Penélope, protagonista desta comédia assincrónica (que evoca tempos muito diversos, da Antiguidade Grega à Segunda Guerra Mundial), casara com Ulisses Lascaris, um rico armador naval seu conterrâneo, entretanto desaparecido em pleno conflito armado. Trata-se duma mulher apaixonada (à sua maneira) pela História, disciplina que chegou mesmo a lecionar. Mas incompatibilizara-se com o diretor do colégio, ‘desprezível colaborador do ocupante nazi’. Mulher muito fantasiosa, por agora limita-se a ser conservadora do Museu Nacional de Atenas.

Internacionalmente famosa pela sua extravagância, recebe a visita dum tal Dr. Sotiris, neurologista ao que parece, que se propõe escrever sobre ela um artigo muito bem documentado para uma revista norte-americana.

Numa divertida evocação do marido, Penélope exibe uns tantos atropelos à Cronologia, chegando mesmo a afirmar que “Ulisses era um grande amigo de Lorde Byron, o genial poeta inglês, combatente pela Grécia contra os Turcos”.

(Telémaco, esse empreendera algumas viagens em busca do ilustre desaparecido, seu pai. Mas em vão.)

Sotiris não resiste ao fascínio de Penélope. E, permitindo-se alguns avanços de cariz sensual, vê-se forçado a apresentar desculpas. Que na verdade, o número de pretendentes à mão de Penélope já passa das marcas. E ao longo desta entrevista com o visitante, que degenera quase em sessão psicanalítica, ela escusa-se, vez a vez, para receber alguns dos seus idealizados pretendentes: Solimão o Magnífico, Sultão da Turquia (séc. XVI); Ivan, um Príncipe Russo (séc. XVIII); Otão I, filho do Rei Luís da Baviera (séc. XIX). De qualquer modo, vai protelando a sua decisão quanto à hipótese de um segundo casamento, escrevendo e destruindo páginas e páginas de um texto dramático, tal como a sua homónima dos tempos homéricos fazia e desfazia a famigerada teia.

Se avançarmos com o pormenor de que o “neurologista” tem um papel decisivo no desfecho desta comédia, então já se poderá conjeturar quanto à sua verdadeira identidade.

(Até agora tem sido aceite a sugestão do autor: a de que um mesmo comediante interprete sucessivamente os 3 pretendentes.)

 

EXCERTO DO LONGO ATO ÚNICO

(…)

SOTIRIS – Foi com certeza um erro: a utilização da língua etrusca neste ritual. Porque é uma língua morta. O nome da personagem que se deve varrer da memória deverá ser escrito no formoso idioma grego, o vivo e poderoso idioma dos oráculos, dos adivinhos e pitonisas, de Tirésias e Cassandra. – Vamos: a efígie, a caricatura do segundo pretendente!

PENÉLOPE (levanta-se, abrupta.) – Uma ideia me ocorre, meu caro Dr. Sotiris. Quem sabe se a sua vinda a este palácio não é puramente casual?… tão-pouco motivada pela simples curiosidade… científica?

SOTIRIS – Que deseja insinuar, Penélope, minha boa amiga?

PENÉLOPE – Quem sabe se isto não foi tramoia planeada por Telémaco? De conivência com a governanta, Euricleia, essa mosquinha-morta? Pretenderão eles que não me encontro em pleno uso das minhas faculdades mentais? Tentarão eles, assim, entregar-me aos seus cuidados… psiquátricos?

SOTIRIS – Eu sou apenas um neurologista…

PENÉLOPE – Os loucos têm muitos nomes… e os médicos que os tratam… também! (Afasta-se alguns passos,)

SOTIRIS (chegando-se a ela, com muito bons modos) – Então? Acalme-se. Abordemos o problema…

PENÉLOPE – O problema? Que problema? Eu não tenho nenhum problema.

SOTIRIS – Suspeito que não é tranquila a sua existência. E bem o poderia ser. Retome o seu lugar neste canapé, “chaise-longue” ou lá o que é, que bem parece arrancado a um antigo vaso de cerâmica. (E com estas palavras a vai conduzindo ao referido móvel.) Volte a deitar-se, alongando o corpo distraidamente.

(Penélope, de repente submissa, executa, conforme lhe é indicado.)

SOTIRIS – Desta vez iremos mais longe na conversa.

PENÉLOPE – Que quer dizer com isso?

SOTIRIS – Iremos às raízes, às origens do próprio conflito. Parafraseando a Bíblia, “ao princípio era Ulisses”. Creio que lhe ficaria bem recordá-lo no integral esplendor da juventude. Porque estou certo de que Ulisses, aos vinte e poucos anos, era uma figura atraente e insinuante.

PENÉLOPE – Era um deus feito homem. (Longe de mim qualquer ideia de blasfémia contra o Olimpo, o Céu e outros lugares privilegiados!)

SOTIRIS – E no entanto… (Pausa.) Digamos que é perfeitamente natural que se mostre, ainda hoje, tão lisonjeira para com a memória de Ulisses. Ainda que… pensando bem… em certos homens… a maturidade não é menos esplendorosa. Quero dizer: Há homens que aos quarenta e tal anos, e algumas vezes aos cinquenta e aos sessenta, mantêm um invulgar encanto e um extraordinário poder de sedução.

(Dizendo isto, Sotiris foi deixando cair um joelho em terra e tomou a mão de Penélope, que beija agora delicadamente.)

PENÉLOPE – Isto pode ser uma loucura.

SOTIRIS – Eu sou médico. Especialista.

PENÉLOPE – Uma loucura de ambas as partes. E, ainda que o senhor pudesse curar a minha “loucura”… quem lhe poderia curar… a sua? A não ser que aplicasse o ditado: “Médico, cura-te a ti mesmo.”

SOTIRIS – Poderia ser. Mas estou certo de que o processo de cura seria muito mais rápido e eficaz… se nos tratássemos… mutuamente.

PENÉLOPE (retirando-lhe a mão) – Isto é um jogo perigoso, Dr. Sotiris. (Levanta-se.) Por um lado, é minha firme intenção permanecer fiel à memória  de Ulisses; por outro lado, confesso que não me é desagradável sentir-me cortejada por tantos homens. (Pausa.) Mas pense bem no celebérrimo Juramento de Hipócrates, o médico exemplar da Antiguidade…

SOTIRIS (levantando-se também, com a maior compostura) – …segundo o qual deverei guardar religiosamente segredo de tudo o que vir e ouvir no exercício da minha arte.

PENÉLOPE – E mais ainda: Deverá abster-se de tentações lascivas nas casas em que tiver entrada.

SOTIRIS – Peço-lhe imensa desculpa. Esqueçamos o incidente. Pela minha parte, dele não terão conhecimento as instâncias superiores.

(Entretanto, começa a ouvir-se uma melodia russa, executada em balalaica, por exemplo. E uma vez mais se agita e esvoaça o diáfano cortinado da porta envidraçada que deita para o jardim.)

PENÉLOPE – Ai, que aí vem o Príncipe russo! Queira ter a gentileza de ocultar-se nesse recanto. (E vai sentar-se no cadeirão-trono.)

SOTIRIS (cumprindo a indicação) – Pronto. Lá vou eu. Novamente sujeito à nuvem protetora.

(Entra Ivan, o Príncipe russo, trajando à séc. XVIII. Traz na mão um estojo forrado de veludo vermelho. A cortina ainda se agita por um instante, enquanto a música se desvanece.)

IVAN (dirigindo-se a Penélope) – Salve, Rainha!

PENÉLOPE – Bem me pareceu que eras tu, Ivan. Senti entrar por aquela porta um ventisco frio, que não poderia provir senão das estepes.

IVAN – Frio será, por certo, o vento das estepes. Estimulante, porém. Mais ainda para os corações femininos que se deixam invadir por uma indiferença, que é, sem dúvida alguma, a mais mortal das doenças cardíacas.

PENÉLOPE – E que me trazes aí, nesse estojo? Algum remédio eficaz e infalível?

IVAN – A eficácia, a infalibilidade de um remédio, isso é coisa que depende muito da predisposição do paciente…

PENÉLOPE – Admitamos que sim. Hei-de perguntar ao Dr. Sotiris, um médico recém-chegado ao meu palácio.

IVAN – Um médico? Pretendente também?

PENÉLOPE – Eis o que pretendo investigar.

IVAN – Desse poderás tu, Rainha Penélope, desembaraçar-te facilmente. Como poderia um simples médico competir com Ivan, Príncipe de todas as Rússias? Ainda que fosse o divino Asclépio – ou Esculápio – filho de Apolo e Deus da Medicina!

PENÉLOPE – Uma vez mais me permito invocar-te as leis da hospitalidade. Neste caso particular, direi que o estatuto de pretendente é igual para todos, sem discriminações ou prerrogativas de qualquer espécie.

IVAN – Contra a tua consciência obcecada de esposa ingloriamente fidelíssima… que poderei eu fazer?

(E, tendo posto o joelho em terra, deposita-lhe aos pés o estojo. Toma-lhe depois a mão, que beija, apaixonado.)

IVAN – Aceita as minhas ardentes homenagens, Rainha Penélope.

PENÉLOPE – Se as homenagens são ardentes, receio bem o incêndio do meu palácio.

IVAN (abrindo o estojo) – Ou preferes a fria e cortante linguagem dos diamantes? (Retira do estojo uma aparatosa tiara de diamantes, que ergue, com ambas as mãos, em jeito de grande cerimonial.) Segundo a tradição russa, o diamante é, por excelência, a pedra preciosa que impede a luxúria e favorece a castidade. (E impõe-lhe na cabeça a joia fulgurante.)

PENÉLOPE – Luxúria e castidade. Da primeira quero eu preservar-me. E quero garantir a segunda.

IVAN – Até que decidas escolher-me, entre os pretendentes.

PENÉLOPE (levanta-se) – Até que regresse Ulisses, o marido inesquecível.

IVAN (erguendo-se também) – Dia de São Nunca!

(Penélope dirige-se para o toucador. Senta-se na tripeça e contempla-se imaginariamente no presumível espelho de que só existe a moldura. Ivan, a passo vagaroso, vai-se aproximando.)

PENÉLOPE – Pensando bem. Ivan, estes fulgurosos diamantes são armas que se voltam contra ti.

IVAN (afagando-lhe os cabelos) – Porquê, Rainha Penélope, Rainha-Viúva?

PENÉLOPE – Sempre me disseram que o diamante era o símbolo da solidez do caráter…

IVAN – O meu…

PENÉLOPE – Digo: da solidez do caráter que resiste às perseguições. E és tu quem me persegue. Um dos que me perseguem com maior obstinação. Sempre me disseram que o diamante era o símbolo da persistência.

IVAN –  A minha…

PENÉLOPE – Digo: da persistência de Penélope na sua inabalável fidelidade conjugal.

IVAN – Que monocórdica! Desculpa o atrevimento: Pareces uma sanfona de cego!

PENÉLOPE (extremamente calma) – Querias que eu me zangasse contigo? Agradam-te as discussões, as querelas e as desavenças? (Pausa.) É bonita, esta joia. Não digo que não. Onde foi que a desencantaste?

IVAN – No velho tesouro imperial. É antiquíssima. Consta que já pertencia à minha trisavó.

PENÉLOPE – Caramba. Tenho que desinfetá-la com álcool a 180 graus. Nesses interstícios hão de habitar, seguramente, micróbios de veneráveis barbas e de difícil extinção!

IVAN (fazendo menção de retirar-lhe a tiara) – Se não te agrada…

PENÉLOPE (bate-lhe na mão) – Que ideia! É uma joia deslumbrante! (Levanta-se e dirige-se ao cadeirão-trono.) Bem sabes quanto me apraz observar as sacrossantas leis da hospitalidade! (Senta-se.) Senta-te, Ivan. Aí, nesse tamborete. Enquanto o não puderes fazer no trono da Grécia.

IVAN (sentando-se no tamborete) – A propósito de trono da Grécia, minha querida Penélope, tenho uma proposta a fazer-te.

PENÉLOPE – Deuses do Olimpo! O que será agora?

IVAN – Parece-me que esse amontoado de territórios a que chamamos “Império Otomano”, e do qual o teu país é parte integrante…

PENÉLOPE – Ai de nós!

IVAN – …poderia muito bem ser transformado num… “Império Balcânico”… Sob a autoridade de um Príncipe russo. Que seria eu, como se compreende.

PENÉLOPE (levanta-se.) – Um “Império Balcânico”?! Sob a autoridade de um Príncipe russo?! Tu, Ivan, precisamente?! E como te atreves a proferir, na minha presença, tais incongruências, tais despautérios?!

IVAN (levanta-se também.) – Já sei o que me vais dizer: Que és a personificação mais acabada e perfeita dos desejos de independência do povo grego.

PENÉLOPE – Vês como já aprendeste a lição? E, no entanto, dir-se-ia que esta inveterada professora de História – Penélope de seu nome –  terá de dizer-te e repetir-te, até ao fim dos séculos, que a sua inabalável decisão é manter fidelidade a Ulisses e a tudo o que Ulisses representa!

IVAN (seguindo-lhe os passos) – Permito-me lembrar-te, Rainha Penélope, que o teu comportamento para connosco, pretendentes, não tem sido dos mais curiais. Porque nos tens enganado – desculpa a violência da expressão, que me permito atenuar: – porque nos tens defraudado, quero dizer: iludido, com falsas promessas.

PENÉLOPE – Como poderás tu saber que são “falsas promessas”? É natural que pareçam falsas todas as promessas ainda não cumpridas. Como poderás garantir que não está na minha intenção honrar a minha palavra?

IVAN – Qual delas? A que te compromete à eterna fidelidade à memória de Ulisses ou a que te obriga a escolher um segundo marido entre os pretendentes? E com esse ardiloso estratagema que arranjaste – e quem terá sido o conselheiro? – nos termos do qual a escolha de um de nós fica indefinidamente dependente do acabamento de uma tragédia…

PENÉLOPE – De uma comédia…

IVAN – …de uma comédia sobre o trágico desaparecimento do malogrado Ulisses… com esse ardiloso estratagema, digo, nos matas, dia a dia.

PENÉLOPE – Pois oxalá morrêsseis todos! E de uma vez por todas! Já então eu me poderia sentar à minha “Remington” e escrever a minha peça, quero dizer: a peça de Ulisses, cujo texto a minha lembrança, a cada momento perturbada pelo vosso bloqueio, procura desesperadamente reconstituir! (A passo rápido, dirige-se à mesa e serve-se de água.)

IVAN (indo até junto dela) – Desculpa, Rainha Penélope. Façamos as pazes.

PENÉLOPE (pouco depois) – Façamos as pazes.

(Ivan beija-lhe a mão, com embevecida ternura.)

IVAN – Escuta o que tenho a dizer-te. (Pausa.) A Rússia não é país de grandes tradições teatrais. Só há bem poucos anos lográmos conhecer essa grande arte. No entanto, já vamos fazendo alguma coisa por ela. Principalmente na minha corte imperial.

PENÉLOPE – Não. Escusas de continuar. A minha peça não será representada por teatros de servos, gente que, como é natural, deixa muito a desejar no que respeita a cultura.

IVAN – És sempre demasiado rápida nas tuas deduções. E, afinal de contas, bem diversa é a minha proposta.

PENÉLOPE (num brando queixume) – Que tremendo cansaço me trazem as vossas propostas.

IVAN – Esta, julgo eu, representa uma considerável ajuda. É que dispomos agora de uma mancheia de escritores de qualidade. E há alguns que me parecem exímios na escrita dramática. Estou a lembrar-me… de Nicolau Gogol… e de Anton Tchekov, por exemplo. Ora aí estão, precisamente, dois dramaturgos cujos bons ofícios eu poderia conseguir. E eles, sob a tua orientação, como é de justiça, poriam fim nessa tragi…comédia sobre o regresso do malogrado Ulisses.

PENÉLOPE – Não, Ivan. Agradeço. Mas isto é uma missão melindrosa, muito delicada, que ninguém poderá compartir comigo. Por muito desmemoriada que esteja, só eu poderei reconstituir esse texto admirável, cujo final tantos anseiam, e há tanto tempo, a começar por mim. (Pausa.) Vai, Ivan. Regressa aos teus aposentos e aguarda pacientemente. Re-sig-na-da-men-te. É que sinto aproximar-se uma inspiração divina. Urgente é retomar o meu trabalho. – Vem, minha “Remington”. Melhor dizendo: Não venhas, que já vou ter contigo.

(Num rompante, que coincide com o recomeço da melodia russa e o alvoroço  do diáfano cortinado, sai o Príncipe Ivan. Penélope dirige-se então para a mesa de trabalho. Dos vários maços de papel que ali se encontram escolhe uma folha já meio escrita e meta-a na máquina.

O Dr. Sotiris, que saiu discretamente do seu esconderijo, regressa entretanto, a passos lentos.)

PENÉLOPE (pouco depois, lendo as últimas linhas do texto) – “Penélope: – Não me resta agora a mínima dúvida, estrangeiro, meu hóspede: tiveste a felicidade de encontrar meu marido. Porque os sinais, as informações que me trazes correspondem à figura de Ulisses. E a mais ninguém. (Matraqueando na máquina.) Mas receio o pior dos infortúnios: o de não o ver regressar à pátria.”

SOTIRIS – “E aos meus braços”, poder-se-ia acrescentar.

(…)

NORBERTO ÁVILA

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